A menos de dois anos do prazo para iniciar o cumprimento das metas assumidas no chamado Acordo de Paris para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, e em meio a um cenário de incerteza eleitoral, o Brasil vive o desafio de conter o desmatamento, adaptar o modelo de produção econômica, readequar a infraestrutura urbana e gerar energia limpa para diminuir a emissão de gases do efeito estufa na atmosfera.
Cada nação estabeleceu ainda um compromisso diferente de redução das emissões de carbono com metodologias variadas de acordo com sua realidade. No caso do Brasil, a meta ratificada pelo governo, conhecida como Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, da sigla em inglês), prevê que até 2025 as emissões de gases de efeito estufa sejam reduzidas a 37% em relação a 2005, ano em que o país emitiu aproximadamente 2,1 bilhões de toneladas de gás carbônico (CO2). Para 2030, a meta é que a redução seja de 43%.
O Ministério do Meio Ambiente informou que as emissões líquidas de gás carbônico foram reduzidas em 2,6 bilhões de toneladas entre 2016 e 2017 no país. O volume de redução foi alcançado, segundo a pasta, considerando as remoções de gás carbônico da atmosfera pelo processo de fotossíntese nas áreas de florestas preservadas, como terras indígenas e unidades de conservação.
Considerando essa compensação entre emissões e o estoque de gás carbônico nas áreas florestais, o país já teria atingido a meta de reduzir em 1,2 bilhão de toneladas para o ano de 2020. Mas especialistas alertam que, em valores absolutos, o país ainda não atingiu as meta firmada em âmbito internacional, que seria de cerca de 1,3 bilhão de toneladas de CO2.
Levantamento do Observatório do Clima mostra que as emissões absolutas de gases de efeito estufa no Brasil alcançaram 2,27 bilhões de toneladas em 2016, o que representa aumento de 9% em relação ao ano anterior e de 32% em relação a 1990. Mais da metade da emissão do gás carbônico equivalente ainda provém do desmatamento da Amazônia e do Cerrado.
Acordo de Paris
Em 2015, o Brasil se juntou a mais de 190 países que integram a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima na assinatura do chamado Acordo de Paris. Pelo acordo, que foi resultado de mais de 20 anos de negociação, as nações definiram objetivos de longo prazo para limitar o aquecimento da temperatura global em níveis abaixo de dois graus Celsius, se possível a 1,5 grau, até o final deste século. A partir dos compromissos do Acordo de Paris, o Brasil definiu a sua NDC.
A meta considera os níveis pré-revolução industrial (1750) e deve ser implementada a partir de 2020. A redução significativa do aquecimento global e o cumprimento dos compromissos do Acordo de Paris ainda estão entre as metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), com o qual o Brasil também se comprometeu até 2030.
“O Acordo de Paris foi um avanço histórico em termos de unir governos na direção do objetivo comum de limitar o aumento da temperatura global a menos de 2 graus Celsius. Mas, os governos federais sozinhos não têm poder para alcançar essas metas sem um engajamento equitativo dos atores subnacionais e do setor privado”, disse Elizabeth Cousen, diretora-executiva da Fundação das Nações Unidas (UN Foundation).
O Brasil pretende alcançar a meta a partir da eliminação total do desmatamento ilegal, da restauração de 12 milhões de hectares de florestas, do aumento do uso de bioenergia sustentável para 18% e em 45% de energias renováveis até 2030, entre outras ações em diferentes setores, como indústria, agricultura e infraestrutura urbana.
“A meta do Brasil, comparando com outros países em desenvolvimento, tem uma natureza mais adequada para um grande emissor, porque é possível mensurar de forma absoluta. Se todos fizerem o que o Brasil fez, proporcionalmente, a gente ficaria dentro dos limites do Acordo de Paris. Mas, a soma de todos esses esforços, os cientistas já disseram, é insuficiente. Se todo mundo cumprir à risca com aquilo que se comprometeu, a gente chegaria no final deste século com um aumento de temperatura acima de três graus Celsius, 3.2 pelo menos, que é muito mais do que o limite estabelecido pelo Acordo de Paris”, esclarece Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Meta doméstica
Antes da meta estabelecida pelo Acordo de Paris, o Brasil aprovou, em 2009, uma Política Nacional de Mudanças Climáticas que estabeleceu um compromisso voluntário nacional de não desmatar, até 2020, mais do que 3,9 mil quilômetros quadrados da Amazônia. Por meio de decreto, a política também prevê a redução do desmatamento do Cerrado em 40%, a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas, entre outros objetivos, como ampliar o consumo interno de etanol em pelo menos 11%.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA), o país já atingiu a meta em relação ao Cerrado, que apresentou redução na área devastada de 56% até o ano passado. E ainda faltaria cerca de 15% para atingir a meta de redução na área desmatada da Amazônia.
“A meta assumida internacionalmente tem um valor diferente do que foi regulamentado no decreto nacionalmente. O que a gente está pleiteando é que a meta internacional a gente já conseguiu antecipar. A meta nacional, a gente ainda tem um trabalho a ser feito no caso da Amazônia”, explicou Tiago Mendes, secretário de Mudança do Clima e Florestas, do MMA
Exemplo e protagonismo
Desde a realização da chamada Rio 92 e da Rio +20, o Brasil é considerado protagonista nas reuniões de Convenção do Clima e tem sido citado em eventos internacionais como exemplo para outras nações devido à diminuição do ritmo de desmatamento da Amazônia nos últimos 15 anos. Para o secretário-executivo do programa de Meio Ambiente da Organização das Nações Unidas (ONU), Erik Solheim, o país é considerado um caso de sucesso na busca pelo equilíbrio entre produção econômica e preservação das florestas para conter o aumento da temperatura.
O secretário destaca a redução em mais de 70% do desmatamento na Amazônia na última década. Antes de 2005, o Brasil chegou a desmatar mais de 2 milhões de hectares da Floresta Amazônica. Em 2012, a área desmatada foi em torno de 7 mil quilômetros quadrados. Erik também citou o Brasil como detentor de um potencial para desenvolver energia solar combinada a outras formas de geração de energia livres de carbono.
“O índice de desmatamento está caindo no Brasil. Há diferenças entre uma área e outra, mas em termos gerais, [o resultado] é fantástico e bem-sucedido. O Brasil está dando exemplo para outros países de floresta e mostrando que é possível reduzir drasticamente o desmatamento se as políticas são colocadas em prática”, avaliou Erik durante o Global Climate Action Summit, um encontro de ação global pelo clima realizado de 12 a 14 de setembro na cidade de São Francisco, Califórnia (EUA).
Outros desafios
Pesquisadores brasileiros concordam que houve avanços desde 2004 na área florestal, mas ainda há vários desafios, como ampliar a restauração de áreas já degradadas e a atividade em pastagens subutilizadas. Segundo o Observatório do Clima, o país tem cerca de 100 bilhões de hectares de terras pouco produtivas que poderiam servir para expandir a produção de alimentos com foco não só na demanda nacional, mas também para exportação.
Falta ainda, segundo os estudiosos, mais apoio financeiro a iniciativas que adotam práticas sustentáveis. Um exemplo seria aumentar a concessão de recursos e benefícios para a chamada agricultura de baixo carbono, que este ano recebeu apenas 1% do total do crédito liberado para produtores rurais, segundo o Observatório do Clima.
O secretário de Mudança do Clima e Florestas reitera que as emissões na área de uso da terra já foram reduzidas de modo isolado pelo Brasil em relação a outros países. “Tínhamos expectativa de, somente na Amazônia, ter uma redução de emissão de 564 milhões de toneladas no ano de 2020. No ano de 2017, com a queda do desmatamento que a gente conseguiu alcançar, a redução foi de 610 milhões de toneladas. Da mesma forma, a nossa meta para redução de emissão no Cerrado em 2020 era de 104 milhões de toneladas. Nós alcançamos uma redução de emissão de 170 milhões de toneladas, quase 70 milhões a mais que a nossa meta”, explica Tiago Mendes.
Financiamento
Na área de energia, o secretário afirma que o país também tem condições de alcançar as metas. Esta semana, o governo federal lançou linha de financiamento para iniciativas de produção de energias renováveis, em especial fotovoltaica. Desse montante, o MMA vai destinar R$ 228 milhões para micro e pequenas empresas e pessoas físicas que coloquem painéis solares em suas casas. As taxas de financiamento serão de 4% a ano para quem recebe menos de R$ 90 mil por ano e de 9,5% para quem recebe mais.
“Vamos colocar à disposição do mercado, via Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDES), com fundos do ministério, R$ 1,2 bilhão para energias renováveis. A nossa expectativa é que a gente consiga dar um incentivo para estruturação da cadeia de produção de energia fotovoltaica no país, em especial em comunidades rurais e produção domiciliar”, disse Mendes à Agência Brasil.
O secretário também destacou o lançamento, este ano, do programa Renova Bio, que concede créditos a distribuidoras de combustíveis para estimular a produção de biocombustíveis. O objetivo é que o programa permita a redução na emissão em 600 milhões de toneladas somente no setor de combustíveis, até 2028.
Fonte: Agência Brasil