Por Marco Aurélio Jacob @MarcoJacobBrasil

Viajar de ônibus é sempre uma experiencia única e confesso que nunca foi minha atividade favorita, prefiro viajar de carro: Espaços apertados, tempo interminável (ainda mais saindo do Tocantins), e o som contínuo das rodas no asfalto contribuíam para uma jornada tediosa. Mas naquela noite de sábado, meu desconforto ganhou um novo componente: um produtor de soja sentado ao meu lado.

Eu estava embarcando de Alto Paraíso, GO, no meio da estrada pois o festejo da Caçada da Rainha, havia dominado a praça da rodoviária. Quando entrei, já tinha uma pessoa no meu lugar, que prontamente saiu… mas ao meu lado havia um sujeito, de camisa xadrez e uma arrogância no ar, eu o reconheci pela roupa e pelo cheiro característico de terra e produtos químicos que emanavam dele. Tentei manter meu olhar fixo para o celular (sempre deixo baixado uns filmes no app), desejando que ele respeitasse meu silêncio e meus fones de ouvido. Mas ele, solitário, parecia ávido por uma conversa.

Art by @MarcoJacobBrasil

“Boa noite, meu amigo! Pra onde você vai?”, ele perguntou, com um sorriso forçado que não conseguia esconder a tristeza em seus olhos.

Respondi educadamente, tentando ser o mais breve possível. Mas ele insistiu. Começou a falar sobre sua fazenda, sobre o quanto produzia, sobre as dificuldades de ser um agricultor nos dias de hoje. Eu ouvia, parcialmente envolvido e parcialmente irritado. Ele era, afinal, um dos muitos responsáveis pela contaminação das águas e a destruição do meio ambiente.

“Uso agrotóxico, sim. Não tem como fugir disso. É o que mantém minha produção competitiva”, ele disse, como se já tivesse ensaiado a defesa.

Expliquei a ele, com o pouco interesse que ele parecia demonstrar, os danos irreversíveis que os agrotóxicos causavam. Falei sobre a contaminação do solo, dos rios e dos lençóis freáticos. Contei sobre o povo indígena Javaé da Ilha do Bananal, que enfrentava doenças e insuficiência renal devido à contaminação química dos canais de irrigação da região.

Ele ouviu, em silêncio, por um momento. Talvez estivesse pensando na solidão que sua vida de produtor lhe trazia. “Eu não tenho quase empregados. A maioria do trabalho é feito por máquinas. E desde que minha mulher foi embora, ficou ainda mais difícil. Ela levou metade de tudo.”

Sua voz falhou um pouco, e eu percebi a dor genuína em suas palavras. Não era apenas o inimigo do planeta; era um homem solitário, lidando com as consequências de suas escolhas.

“Eu pensei em vender a fazenda e me mudar para a cidade”, confessou. De qualquer forma o problema vai apenas mudar de mãos, pensei comigo mesmo.

Nós ficamos em silêncio por um tempo depois disso. A estrada parecia interminável, e a distância entre nós se ampliava apesar da proximidade física. Tentei explicar a ele que mudar de vida poderia ser uma oportunidade para fazer as coisas de maneira diferente, mas ele apenas assentiu, absorto em seus pensamentos.

Talvez aquela conversa não mudasse sua perspectiva. Talvez ele continuasse a usar agrotóxicos e a contaminar a terra. Mas, por um breve momento, ele ouviu e considerou um mundo diferente. E eu, ao menos, fiz a minha parte em tentar defendê-lo.

A viagem finalmente terminou, e nos despedimos com um aceno de cabeça. Enquanto ele se afastava, senti uma mistura de frustração e esperança. A luta pela preservação do meio ambiente é longa e cheia de desafios, mas cada pequeno passo conta.

E naquele sábado, ao lado do inimigo, eu dei um pequeno passo na direção da mudança que o mundo precisa.