Hambúrguer feito à base de farinha de grilo é desenvolvido por pesquisadores de universidades de São Paulo e Mato Grosso — Foto: Reprodução/Camila de Souza Paglarini/Arquivo pessoal
Mais proteico, com ação antioxidante, produção com menor custo e menos impacto ambiental. Assim os cientistas brasileiros descrevem o hambúrguer de grilo. O estudo, em desenvolvimento por pesquisadores de universidades de São Paulo e do Mato Grosso, em conjunto, apontou alguns benefícios que a inclusão da farinha do inseto na composição do alimento podem gerar para a indústria e também na busca pelo combate à fome.
A professora doutora Patrícia Milano é uma das pesquisadoras do projeto e responsável por desenvolver a farinha de grilo, que é a base da composição do hambúrguer.
Patrícia é PhD em Entomologia pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), o campus da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba (SP) e desenvolve pesquisas no aprimoramento das farinhas de insetos como grilo e tenébrio molitor, conhecido como bicho-da-farinha.
A inclusão de insetos na alimentação ainda é incomum no Brasil, mas, como ressalta a pesquisadora, há mais de uma década o hábito de comer insetos, também chamado de entomofagia, ganhou força depois que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) incentivou a prática.
“Desde então, uma verdadeira corrida para verificar a eficácia dos insetos no combate a fome foi iniciada, principalmente na Europa. Insetos como grilos, gafanhotos e o besouro tenébrio, na fase larval, estão entre os mais utilizados em forma de farinha, pelas indústrias e empresas fabricantes de uma infinidade de produtos como macarrão, bolachas, chocolates, barrinhas de cereais, entre outros tipos de alimentos”, explica a pesquisadora.
Devido ao Teor proteico destes insetos que pode variar de 67 a 45%, a capacidade antioxidante e o aproveitamento das proteínas destes organismos de até 93%, explica Patrícia Milano — Foto: Reprodução/Patrícia Milano/Arquivo pessoal
Mais proteico e antioxidante
A pesquisadora Patrícia explica que, devido ao teor proteico destes insetos, que pode variar de 67% a 45%, a capacidade antioxidante e o “aproveitamento das proteínas destes organismos são de até 93%, como acontece com a espécie gryllus assimilis, espécie que ocorre no Brasil”, enfatiza.
“Cientistas têm investigado a utilização da farinha destes insetos em produtos como hambúrgueres, salsichas, almôndegas, nuggets e híbridos que levam em sua composição carne de animais como boi e frango, porém com a adição de farinha de insetos, deixando com maior teor de proteínas”, observa.
Vantagens nutricionais e ambientais
O supervisor do projeto, o professor e pesquisador Pedro Pedro Yamamoto, do Departamento de Entomologia e Acarologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), listou algumas das vantagens do uso de insetos na alimentação humana.
“Como precisaríamos de quantidades menores de água, de energia e de espaço, principalmente, para produzi-lo, vejo uma grande vantagem na utilização do inseto na alimentação humana. Sem falar no alto teor de proteína. Com essas farinhas, podemos enriquecer alimentos. Isso também ajudaria a combater a desnutrição, especialmente de pessoas que vivem em locais onde há escassez de alimento”, explica o pesquisador.
Os pesquisadores lembram que a forma de apresentação em farinha também pode ser um aspecto interessante para estimular o consumo mais generalizado do alimento, para além dos locais onde esse já um hábito cultural, já que, dessa forma, não vê o inseto.
Objetivos e desafios
Um dos objetivos da pesquisa é, no futuro, buscar aprovação nos órgãos sanitários responsáveis e, com isso, colaborar com a produção em escala do alimento, que também é um dos desafios vislumbrados no setor.
“Ver o inseto, em si, pode assustar um pouco. Então, fazer da farinha de grilo a base do alimento é uma tendência. Existem muitas indústrias [plantas] produzindo inseto com essa finalidade de atender a alimentação animal e também alimentação humana. Desenvolver essa ferramenta para uso em maior escala também motivou a pesquisa”, detalha o professor.
Professora e pesquisadora, doutora Patrícia Milano, segura um grilo coberto com chocolate e lista os benefícios da farinha de grilo no enriquecimento de alimentos — Foto: Patrícia Milano/Arquivo pessoal
No Brasil, cientistas também investigam a adição de farinha de insetos em produtos cárneos, a fim de substituir uma porcentagem de carne em produtos como salsichas e hambúrgueres.
“Recentemente, pesquisadores da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de alimentos da USP desenvolveram pão e salsichas utilizando farinha de larva da mosca soldado (Hermetia iIlucens) desengordurada. O Professor Marco Antônio Trindade explica que os testes em produtos como salsichas foram realizados devido ao alto consumo destes produtos no país, e o enriquecimento destes com farinha de insetos é extremamente importante na busca de produtos mais sustentáveis no combate a fome”, especifica Patrícia Milano.
A professora doutora Camila de Souza Paglarini, da Universidade estadual do Mato Grosso (Unemat), que integra o projeto de pesquisa, desenvolveu, juntamente com outras pesquisadoras, um hambúrguer hibrido de carne bovina e farinha de grilo, da espécie brasileira, utilizado para alimentação animal.
Camila de Souza Paglarini é doutora em Tecnologia de Alimentos e integra pesquisa que desenvolve hambúrguer de farinha de grilo — Foto: Camila de Souza Paglarini/Arquivo pessoal
Doutora em Tecnologia de Alimentos pela Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, Camila conta que a pesquisa com a produção do hambúrguer, especificamente, enriquecido com a farinha de grilo, foi desenvolvida no departamento de Alimentos e Nutrição da Universidade Federal de Mato Grosso- UFMT e departamento de Engenharia de Alimentos da Universidade do Estado de Mato Grosso.
“A pesquisa com insetos para elaboração de alimentos ainda é incipiente no Brasil, mas muito inovadora, promissora e sustentável. E desde então esse projeto já resultou em um capítulo de livro e um artigo em fase final de publicação”, comenta.
Jejum antes do abate
Os insetos destinados à alimentação humana são criados em laboratório e passam por jejum de 24h. Eles são abatidos por congelamento e passam pelo processo de branqueamento, seguido de desidratação, para depois serem moídos e transformados em farinha.
“O hambúrguer elaborado com a adição de até 10% de farinha de grilo apresentou excelentes resultados como maior teor de proteína, maior retenção de umidade, menor encolhimento e perda de cozimento, sem afetar a oxidação lipídica das amostras e com menor impacto sensorial”, explica a Professora Camila.
Os novos procedimentos, agora, com o projeto dos hambúrgueres à base de farinha de grilo, explicam as pesquisadoras, são os testes de novas porcentagens com a utilização da farinha desengordurada, na intenção de conferir mais sabor ao alimento.
Departamento de Entomologia e Acarologia da Esalq, campus da USP em Piracicaba, onde parte da pesquisa com a farinha de grilo é desenvolvida — Foto: Pedro Yamamoto/Arquivo pessoal
Próximos passos
Atualmente, um projeto apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e liderado por Patrícia Milano, em conjunto com pesquisadores da Esalq- USP, realiza testes de esterilização das farinhas, que estão em andamento, e buscam o aperfeiçoamento das farinhas de grilo e tenébrios.
“É preciso aperfeiçoar as técnicas de esterilização dos insetos para que possamos, no futuro próximo, conseguir não somente uma autorização da Anvisa para utilização destes produtos em vários seguimentos da indústria de alimentos”, pontua.
Branqueamento e irradiação
Patrícia explica que os testes envolvem processos de branqueamento, que é fervura seguida de choque térmico em água gelada, e irradiação por ionização, processo já utilizado em produtos alimentícios, são os alvo da pesquisa.
“Embora o branqueamento seja a técnica amplamente utilizada na elaboração das farinhas de insetos em países que já a utilizam para alimentação animal e humana, países europeus na busca pela economia de água, testam a utilização da irradiação como meio de esterilização seguro nas farinhas de insetos”, explica.
Protocolos
Patrícia Milano segue com as pesquisas com o objetivo de desenvolver um protocolo de criação, abate, esterilização e elaboração de farinha de grilo e tenébrio para apresentar aos órgãos como Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O apoio da Fapesp é fundamental para a conclusão de todo esse processo na obtenção de farinhas de insetos seguras para a utilização da indústria de alimentos.
Conhecimento integrado
Patrícia Milano ressalta a importância da integração de pesquisadores da área de engenharia de alimentos no projeto.
“Pesquisas como a doutora Camila Paglarini, da engenharia de alimentos, fornecem dados fundamentais para a indústria de alimentos e as porcentagens corretas de utilização das farinhas de insetos em produtos como hambúrgueres são extremamente importantes”, ressalta.
Estudos revelam, segundo Patrícia Milano, que o consumo de 50 gramas de farinha de grilo por dia faz bem à saúde humana. “A farinha de grilo, além do fator proteico, possui características antioxidantes e anti-inflamatórias, podendo ainda combater a diarreia”, afirma.