Talvez a pergunta mais frequente dos consumidores de jogos eletrônicos ultimamente seja “onde é que atira mesmo?”. Num mercado controlado pelas franquias de jogos de tiro e afins, surge na contramão da voga dessa indústria o game de origem baiana, Árida.
O objetivo do jogo é divertir, como se espera, mas também educar, conscientizar e desconstruir esteriótipos junto aos seus jogadores, servindo à comunidade como uma plataforma de reconhecimento identitário.
Mergulhado no universo nordestino e no contexto do sertão em plena Guerra de Canudos durante o século XIX, o jogo mistura aventura com elementos de sobrevivência e exploração. Árida conta a história da jovem Cícera, que busca ajudar os sertanejos a superar a seca.
Para Filipe Pereira, diretor-geral da Aoca (empresa responsável pelo desenvolvimento da obra) e game designer – é um desafio sair dos velhos clichês dos jogos desenvolvidos no Brasil e no mundo. “Todos os componentes que estão no nosso jogo colocam a gente num percentual bastante diminuído pela indústria, não só pelo local do sertão, mas também pelo viés mais social. Sem falar do protagonismo de uma personagem mulher, negra e nordestina, o que não vemos nos outros jogos”, afirmou.
A intenção inicial dos criadores do jogo era ambientar a história na região de Canudos, interior da Bahia, durante o confronto armado entre o Exército da recém-proclamada República (1891) e os integrantes do mítico movimento popular liderado por Antônio Conselheiro (1830-1897).
No entanto, após diversas pesquisas e sondagens, que se estenderam por meses, os desenvolvedores decidiram tomar outro rumo, agregando diferentes simbolismos advindos de outras regiões do sertão nordestino com o apoio de historiadores e especialistas da Uneb – Universidade do Estado da Bahia.
“A gente fez a pesquisa em campo após seis meses de projeto, em Canudos e região, o que foi muito bom. Nós validamos caminhos que já tínhamos traçado. Uma coisa curiosa é que lá encontramos personagens como retratávamos já no game. É algo que vai de encontro com vários paradigmas que a gente tem na nossa história, como não conseguir se organizar socialmente, com um viés de resistência e utopia. Canudos, guardados as devidas proporções, é o socialismo na prática”, explicou Filipe.
Identidade visual
O diretor de arte do projeto, Victor Cardozo, explica que houve uma sensibilidade adicional para que o público que não conhece o nordeste poder conhecê-lo de maneira honesta, sem a necessidade de passar uma imagem estereotipada daquela região.
“A gente contempla o horizonte porque lá é um ambiente muito único. Desde o solo até a flora local, então queríamos passar outra visão, mostrando que há um ambiente duro, mas também bonito.”
Árida na verdade será uma franquia, dividida em quatro episódios. O primeiro deles deve estrear no primeiro trimestre de 2019, para computadores como plataforma inicial.
Victor diz que ainda trabalha num maior amadurecimento e melhor dramatização daquele universo, na qual o processo artístico será transformado conforme o decorrer da história. “As mecânicas vão evoluir também. Hoje, tem diversos aspectos universais e uma paleta de cores diversa; já no capitulo dois vamos explorar mais os detalhes, terá mais textura. O capitulo três será menos saturado, com mais aspectos de dramas e cores mais frias”, afirma.
Há dois anos, a Ancine – Agência Nacional de Cinema, selecionou em edital a proposta do jogo. A agência reservou R$ 250 mil para investir no projeto; valor que será utilizado na elaboração do terceiro e quarto episódio da franquia.
“A gente foi o único da Bahia a ganhar. Ao mesmo tempo que estamos orgulhosos, estamos tristes por saber que há outros talentos que poderiam ser contemplados. O fato da Ancine elogiar nosso projeto é um alento, ao mesmo tempo que produzimos socialmente algo forte, também é interessante para o mercado”, comemorou o diretor de arte.
Fonte: Razões Para Acreditar
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