Rogério Tortola – Especial para a Gazeta do Cerrado

Falar de trabalho escravo 130 anos depois da abolição formal da escravatura pode parecer para alguns um contrassenso, quem pensa assim provavelmente não acompanha as notícias ou não se interessa pelo assunto.

Não é precisamos ir longe para nos depararmos com pessoas sendo exploradas, trabalhando sem receber salário, em condições degradantes e sem o direito de ir e vir.

9 pessoas resgatadas

No último dia 19, nove pessoas foram resgatadas em Santa Rita do Tocantins, há 140 Km da capital, após serem encontrados em situação análoga ao trabalho escravo em uma carvoaria.

Segundo o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), do Ministério do Trabalho, o alojamento onde as vítimas estavam não tinha sanitários, nem cozinha. O ambiente era sujo e os trabalhadores dormiam em um quarto sem ventilação. O regime de trabalho era forçado.

Lista suja

Os trabalhadores libertados em Santa Rita, ainda não fazem parte da estatística e o empregador não está na lista suja do Ministério do Trabalho. Isso porque ele tem o direito a defesa, claro, e só depois de julgado em segunda instância, passará a figurar nesta lista, mas este não é um caso isolado e outros SETE empregadores tocantinenses estão na lista atualizada, divulgada este mês pelo Ministério.

A lista traz 209 infratores em todo o Brasil, a construção civil é um dos setores com maior número de casos. No Tocantins dos sete empregadores incluídos, seis trabalham com criação de gado e um com carvoaria.

Confira a lista no endereço, http://trabalho.gov.br/images/Documentos/SIT/cadastro-de-empregadores-publicacao-semestral-ordinaria-detrae-outubro-2018.pdf .

Porque eles escravizam?

Frei Xavier Jean Marie Plassat explica que mais de de 28 milhões de pessoas ainda vivem sob o regime de trabalho escravo – Reprodução Google Imagens

A Gazeta do Cerrado ouviu Frei Xavier Jean Marie Plassat, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em busca de saber os motivos que levam a escravidão.

Ele explica que este não é um fenômeno unicamente brasileiro, estimasse que no mundo existam, hoje, 29,8 milhões de pessoas que vivem em regime de escravidão, os dados são do Global Slavery Index.

O Brasil ocupa 94º ligar em uma lista com 162 países, por aqui as projeções falam em 209 mil brasileiros escravizados. Este número pode ser considerado subestimado.

O Frei aponta o sistema e a ganância como causas, “estamos num sistema que incentiva a ganância. Porquê alguém tem que utilizar a mão de obra de outro alguém a custo quase zero? Oferecendo condições degradantes, precárias? Porque ele quer se aproximar do custo zero”.

Ele vai além e destaca o clima de guerra econômica que vivemos, “entre setores existem uma guerra para colocar produtos a preços competitivos, o que pode ser considerado louvável, por um lado, já que traz divisas para o Brasil, mas a que preço?”, questiona Frei Xavier.

Outro fator citado pelo representante da CPT é a massa de pessoas desempregadas, “na faixa etária de 20 a 25 anos, a que encontramos mais pessoas escravizadas, existe uma taxa de desemprego de 30%. São pessoas propensas a aceitarem qualquer condição, qualquer coisa é melhor que nada”.

Corte no orçamento prejudica fiscalizações

O número de fiscalizações vem caindo desde 2013. Se compararmos 2017 com 2016, a queda foi de 23,5%. Tivemos o menor número de pessoas resgatadas desde 1998. O contingenciamento de verba chegou a 70%. O último concurso para o setor foi em 2013. Deixando claro a falta de interesse no aparelhamento do setor.

Pode piorar

Estudioso do tema e sempre atento as alterações que impactam o setor, Plassat alerta para nos preparemos para o pior, ao falar das mudanças trabalhistas propostas.

“O conteúdo da reforma trabalhista que foram aprovadas e o que sobra para aprovar no congresso , definem como normal condições de trabalho que até hoje consideremos degradante”, explica preocupado o Frei.

Descartado para morrer

Frei Xavier nos revelou ainda uma triste história de um morador de rua que foi morto, após ser espancado na capital, no último dia 7.

Márcio Batista dos Santos, 37 anos, trabalhava em uma fazenda na região de Paraíso, em condições muito precárias, após decidir pedir seus direitos, foi acusado de roubar um motor e descartado.

“ Este rapaz ficou sob nossos cuidados por sete meses, após muita luta conseguiu receber um valor irrisório, após o período que passou conosco ele veio para Palmas e se envolveu com um usuários de drogas”, conta Xavier.

Antes de deixar a CPT, Márcio escreveu um bilhete de agradecimento, onde pede para que as pessoas nunca desistam de seus sonhos. A data é de abril deste ano. Veja na foto abaixo.

Ex-tabalhador escravo deixou recado otimista antes de morrer – Divulgação

Identificar e punir não são o suficiente

Apenas libertar o trabalhador não basto é preciso oferecer condições para que este trabalhador possa seguir com dignidade. Para o Missionário existe muito preconceito por traz, é preciso considerar que uma parte da população que é tratada como inferior, descartável, de segunda classe.

É preciso mudar isso com politicas de inclusão oferecendo condições mínimas para uma vida digna.

Denuncie

Qualquer pessoa pode denunciar ou pedir ajuda em situações que os direitos humanos estão sendo violados. Como no caso de trabalho escravo basta discar 100. O Disk 100 funciona 24h, é gratuito e pessoa pode se manter anônima.