Ao lado das evidências dos efeitos nocivos do excesso de álcool, há um grande número de artigos científicos que concluem que um consumo moderado pode ser benéfico. Uma trabalho publicado em 2012 na revista científica British Medical Journal (BMJ) estimava que meia taça de vinho por dia (5 gramas de álcool) era a quantidade adequada para proteger a saúde. Beber até essa quantidade poderia evitar mais de 4.500 mortes ao ano no Reino Unido, segundo os pesquisadores que fizeram essa análise.
Outros especialistas, como a espanhola Linda Badimón, diretora do Centro de Pesquisa Cardiovascular (CSIC-ICCC) de Barcelona, afirmaram que um consumo moderado de cerveja, de dois copos por dia para homens e um para as mulheres, pode “favorecer a função cardíaca global”. E Emanuel Rubin, da Universidade Thomas Jefferson, da Filadélfia (EUA), afirmou em um artigo publicado recentemente em Alcoholism: Clinical and Experimental Research, que “a evidência decisiva sugere que os médicos deveriam aconselhar quem nunca bebeu na vida a, entre os 40 e os 50 anos, relaxar e tomar um drinque por dia, de preferência com o jantar”.
No entanto, essa corrente científica e médica que não vê o álcool em pequenas quantidades como um veneno perigoso têm oponentes. Nesta semana, um grupo de pesquisadores da Austrália e do Reino Unido publicou, também na revista BMJ, os resultados de um trabalho no qual colocavam à prova os supostos benefícios de um consumo moderado de álcool. Para realizar sua análise, usaram dados da Pesquisa de Saúde da Inglaterra 1998-2008 e concluíram que, se pessoas que nunca tinham bebido fossem comparadas, a atividade protetora do álcool se reduzia a mulheres acima dos 65 anos e, em menor medida, a homens entre 50 e 64 anos. Inclusive entre esses grupos, a pesquisa afirma que os modestos ganhos obtidos com o consumo de álcool se devem à seleção dos sujeitos do estudo.
O objetivo dos autores era o de relativizar os resultados que costumam encontrar efeitos benéficos no consumo moderado de álcool. Segundo eles, essas associações talvez se devam ao fato de que o grupo de abstêmios com o qual se compara quem bebe um pouco pode ser inadequado. Isso se explicaria, por exemplo, caso um dos grupos de pessoas que não bebe nada fosse formado por ex-alcoólatras, que têm a saúde deteriorada por seu antigo vício em bebida. Eliminando grupos como esses, os responsáveis pelo trabalho afirmam que os efeitos protetores do álcool se reduzem em grande parte dos casos. Levando isso em conta, seria possível que, na realidade, as pessoas que continuam bebendo a partir de certa idade o façam porque estão mais saudáveis, sem que isso signifique que o álcool lhes garante a saúde.
“Bom demais para ser verdade”
Em um artigo opinativo assinado por Mike Daube, professor de política de saúde da Universidade Curtin (Austrália), publicado na mesma edição da BMJ, culpa-se as companhias produtoras de bebidas alcoólicas, a mídia, os políticos e até alguns médicos de aferrarem-se a certos dados sobre os benefícios do consumo moderado de álcool que eram “bons demais para ser verdade”. “Títulos como ‘pouco consumo pode ajudar a reduzir infartes’ promoveram mensagens sobre as propriedades cardioprotetoras do álcool; muitos médicos se sentiram confortáveis a ponto de garantir aos pacientes que o álcool poderia ser benéfico e os políticos usaram esses testes sobre possíveis benefícios para justificar seu fracasso na hora de agir para reduzir danos”, escreve Daube.
O médico australiano pede que os profissionais de saúde esqueçam as recomendações segundo as quais o álcool pode ser bom para a saúde, até mesmo em quantidades moderadas. Além disso, pede que caiba às autoridades de saúde oferecer conselhos sobre saúde e não à indústria do álcool. Também acusa os governos de não quererem enfrentar “o formidável poder econômicos da indústria internacional do álcool”.
A postura veemente de Daube não é, de forma alguma, hegemônica. “Fiquei muito surpreso, porque dá a impressão de que todos os cientistas são comprados pela indústria do álcool e isso não é verdade”, afirma Ramón Estruch, pesquisador do Hospital Clínico de Barcelona e especialista nos efeitos do álcool sobre a saúde. “É claro que essas mensagens positivas são boas para a indústria, mas isso é algo posterior. Em nossos caso, por exemplo, os estudos foram financiados pelo Instituto de Saúde Carlos III e pelo Ministério”, continua.
Em relação à validade da pesquisa, Estruch comenta que esse tipo de “estudo de corte costuma dar um nível de evidência intermediário”. Para obter resultados mais conclusivos, seria necessário fazer um estudo aleatório, no qual algumas pessoas seguissem uma dieta ou bebessem uma bebida alcoólica e outras não, com um acompanhamento de longo prazo. Em ambos os casos, Estruch afirma que “há muita evidência em favor de que beber moderadamente é melhor do que beber muitíssimo e do que não beber nada, e que vinho e cerveja são melhores” do que bebidas de maior graduação alcoólica.
Por Daniel Mediavilla
Fonte: El País