O Dia da Consciência Negra, celebrado em todo o Brasil, neste 20 de novembro, marca a luta do povo negro e daqueles que foram escravizados na busca por direitos e dignidade.
A data lembra também a morte de Zumbi dos Palmares, no ano de 1695. Zumbi foi um líder e foi também um dos maiores nomes na luta contra a escravidão.
Apesar de várias conquistas, o povo negro, sobretudo as mulheres, são os que mais estão abaixo da linha da pobreza, os menos têm acesso, os que mais são assassinados violentamente, além disso tudo, são também a maior população carceraria do Brasil.
No Tocantins, onde cerca de 70% das pessoas se autodeclaram negras e/ou pretas, ativistas falaram um pouco de como é a luta e que falta ser conquistado.
A ativista Gleys Ially Ramos, professora da UFT, coordenadora do Outras e coordenadora de Mulheres do MNU-Tocantins, em conversa com a Gazeta do Cerrado disse que os avanços, mesmo que em marcha lenta, são inquestionáveis.
Entretanto ressaltou que ainda é pouco valorizado os esforços para fortalecer mulheres negras.
“Acredito que seja inquestionável os avanços acerca das questões e relações étnico-raciais. A reavaliação das cotas raciais como política pública afirmativa, à implementação das cotas nas universidades ampliando não só o que concebemos como desigualdades (gênero, etarismo, deficiências e transtornos), como as avenidas interseccionais agora cruzam raça com violências contra mulheres, crianças, idosos e ainda que tardiamente, com a pobreza extrema. Combater a pobreza passa por combater o racismo e o machismo, pois a base que consolida as classes sociais estão calcadas não somente nas mulheres negras como na sua consistente periferização, pauperização e violação dos seus já parcos direitos. Estou esperançosa, ainda que o tempo dessas mudanças (ainda) continuem em marcha lenta. Entendo que há um processo para reconstruir políticas públicas largamente descontinuadas, desconstruídas e até mesmo, destruídas no governo passado.
Essa esperança está calcada numa percepção inédita sobre a política institucional: é a primeira vez que percebo a articulação entre diferentes ministérios de estado, fortalecendo campos de ocupação política das minorias do Brasil: mulheres, pessoas racializadas, indígenas e povos originários e tradicionais, mediadas pelos direitos humanos e cidadania. Também é necessário articular todas as nossas questões para arena jurídica (ministério da justiça) e assim, contrapor uma segurança pública baseada na punição de corpos negros, ao ponto que amplia as penalidades contra o racismo e as injurias raciais. Partimos de uma perspectiva abolicionista em que as penalidades passem pela formação social e cívica obrigatórias e indenizações, abolindo o cárcere e a violência que se deposita nele (afim de ampliar punições) como primeira forma de pensar as questões raciais. Também nos importa dizer que ainda é pífio os esforços para fortalecer mulheres negras em cargos de carreira de estado e espaços de tomadas de decisões. Isso não só contenta o avanço nos casos de feminicídio sobre mulheres negras – como corpo estranho e negado – como nos fragiliza em espaços de disputas políticas noutras dimensões da sociedade, no meu caso, na universidade”.
O ativista , advogado e representante da coordenação nacional do Coletivo Enegrecer no Tocantins, Diego Panhussatti, também ressaltou os avanços, mas fez uma reflexão sobre o papel do negro na sociedade e como esta população ainda vive nos piores índices.
“O Dia da Consciência Negra é um dia que a gente sempre pauta muito a questão da população negra, a vida da população negra. A gente vê nas notícias, nos jornais, nas mídias, nas instituições, muitas rodas de conversa e até mesmo no imaginário social o que a população negra vive, o que ela já conquistou e o que ela ainda precisa conquistar de direitos de acesso. Porque infelizmente o Brasil, embora tenha uma maioria da população negra, a gente ainda vive os piores índices, os maiores marcadores sociais para a população negra. Então, ainda somos nós que somos encarcerados em massa, de cada 10 pessoas presas, 7 são negras, a gente ainda vive os piores índices de acesso à educação, no caso a população que mais evade das universidades são os jovens negros. Ainda é a população negra que tem a sua cultura marginalizada, perseguida, a exemplo das matrizes africanas, das religiosidades, que até hoje sofrem um processo constante de demonização, de perseguição. Então, todas essas mazelas que o racismo promove no corpo negro brasileiro e nesse grande conjunto de pessoas, ele precisa ser evidenciado. Mas, para além da evidência também desses fatos, a necessidade de apresentar as conquistas e quais são os valores que a população tem ao longo dos últimos anos, que a gente conseguiu evidenciar e que a gente tem conseguido viver. E aí, em bom índice, que a gente conquistou recentemente, é de já sermos 50% nas universidades públicas. Isso fruto muito da política de cotas raciais, que foi uma política que deu e tem dado certo para reduzir essas desigualdades. Ou seja, quando há a constituição de política pública para a reparação dos danos, das mazelas sociais, a gente consegue ver ali uma modificação e até alterar esse ciclo em que a gente vive, de opressão. Então, o 20 de novembro ele vem para a gente fazer esse balanço, também vem de reflexão, de denúncia e não podendo deixar de falar que é o dia que marca a morte de um grande herói negro brasileiro que é Zumbi dos Palmares, que é referência para a gente, que é exemplo para a gente morrer pelo seu povo, não renunciando ao legado ali de cuidar dos seus e que fica também de exemplo para todos nós, enquanto comunidade negra, de assumir esse pacto ancestral de denúncia ao racismo, mas também de valorização, de cuidado dos nossos”.
O também ativista, advogado e presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/TO, Cristian Ribas disse que a celebração da Consciência Negra é uma oportunidade para reflexão e critica a história do povo brasileiro e da constituição das desigualdades raciais.
“A importância da celebração da consciência negra consiste numa oportunidade que a sociedade tem de reservar com mais atenção um período de reflexão e de crítica a história do povo brasileiro e a constituição das profundas desigualdades raciais que constituem a realidade do povo brasileiro. E, sem dúvida, tivemos grandes avanços nos últimos períodos. Podemos destacar o endurecimento da criminalização das práticas raciais, com a equiparação do crime de injúria racial com o crime de racismo, como um avanço importante no combate à discriminação racial e as políticas de cotas, tanto para concursos públicos como para as universidades, como um avanço importante na promoção da igualdade racial. Agora, o que pese os avanços que nós tivemos nos últimos períodos, o enfrentamento ao extermínio sistêmico de jovens negros ainda se impõe como o maior desafio civilizatório da sociedade brasileira. Um desafio que compreende, num primeiro momento, a desnaturalização e a desbanalização da vida de jovens negros e um compromisso efetivo dos setores públicos de mudar lógicas da segurança pública e estabelecer prioridades de políticas públicas nos setores mais vulneráveis”.
Reportagem Gazeta do Cerrado