Era um dia comum. Um sábado, por volta das 11h da manhã. Eu tinha entre 10 e 12 anos e voltava da aula de catequese que fazia na igreja perto da minha casa.

Situação que havia acontecido tantas outras vezes naquele ano. Estava caminhando e refletindo sobre a aula, até que um homem, em uma moto, passou por mim e parou logo à frente. Eu, em toda a minha inocência, não me importei com o ocorrido; continuei o caminho. A rua era movimentada e ficava há poucos quarteirões da minha casa.

Ao passar por ele, fui surpreendida por um “ei, menina”. Sem pensar, me virei e olhei. Quando vi, ele estava com as calças levemente arriadas e com o órgão genital à mostra. Saí em disparada e cheguei em casa “branca como um fantasma”.

COMPARTILHAR HISTÓRIAS DE ASSÉDIO

Foi a partir desse fato, além de muitos outros, que eu minha irmã começamos uma discussão sobre o quanto havíamos sido assediadas na nossa menor idade. Percebemos, sem esforço, que tínhamos vivenciado situações de assédio muito mais vezes quando éramos jovens do que na idade adulta.

SE ABRIR COM O MUNDO

Diante disso, escrevi um tweet (post criado no Twitter), sem intenção alguma de repercutir tão rapidamente, questionando: “Eu sofri mais assédio de homens entre meus 10 e 18 anos do que dos 19 aos meus atuais 32 anos. Eu colocava o pé na rua e vinha um motoqueiro, motorista de ônibus, de carro, transeunte, enfim, dirigir palavras indecentes a mim. Vocês, mulheres, sentem isso também?” e a publicação viralizou. Foi divulgada em algumas mídias, e eu, como profissional da área de comunicação, achei interessante ter um tweet espalhado dessa forma.

No entanto, algo em todo esse acontecimento me chamou atenção: o tweet ganhou visibilidade junto a depoimentos de mulheres que haviam sido mais assediadas na infância e na adolescência do que na vida adulta, assim como eu e minha irmã. O pior é que elas não tinham se dado conta desse fato até lerem o meu questionamento.

O CORPO DAS MULHERES CORRE PERIGO

Eu sei que a situação atual das nossas meninas ainda é assim. O corpo das mulheres corre perigo nas ruas. Quando se cita o corpo feminino em situação infantil, como é o caso de crianças e adolescentes, a ameaça é ainda maior.

Quantas vezes você, quando era jovem, saiu para ir à padaria, ao mercado, à casa de uma amiga, ou estava voltando da escola, e recebeu assobios, cantadas, ouviu palavras indiscretas e assediadoras de homens que tinham idade para serem seus avôs ou seu pai?

EDUCAÇÃO SEXUAL?

Aqui, abro uma discussão que devemos levar para a mesa de jantar, para as rodas de amigos e familiares, para as escolas (a partir da educação sexual), para os cultos religiosos, para todos os lugares que poderão nos ouvir: a situação atual do corpo feminino, de crianças e adolescentes, é de risco. É preciso que haja a conscientização do adulto assediador.

ORIENTAÇÃO

Devemos, agora, orientar crianças e adolescentes a respeito de atitudes assediadoras que estão presentes na nossa sociedade. Precisamos ensinar o que são atos suspeitos, mostrar onde uma pessoa pode tocar ou não em seu corpo, qual linguagem é aceitável para que o adulto possa se comunicar com um menor de idade, entre outras condutas importantes. Temos que lembrar sempre, mesmo a partir de exemplos do cotidiano, o que se deve fazer diante de situações ameaçadoras.

Eu sei. Deveríamos ter educação sexual em todas as escolas. Os governantes poderiam investir mais em campanhas de conscientização, em segurança, ambientes vigiados e inúmeras outras práticas que podem diminuir expressivamente a ocorrência de situações semelhantes ao meu relato, assim como estupros e danos físicos e psicológicos que são decorrentes de casos de assédio e abuso.

VIOLÊNCIA SEXUAL

No entanto, essa realidade não nos cabe por agora. Não podemos esperar algo do setor público enquanto incontáveis meninas estão grávidas e psicologicamente afetadas por conta de violência sexual.*

Assim, que possamos utilizar, então, as armas que temos: nosso conhecimento, como adultos, para instruir crianças e adolescentes. Se temos experiência de vida, conhecimento de caso, por que nos mantermos coniventes com essa triste situação, se poderíamos conscientizar esses menores, reduzindo as chances de sofrerem este tipo de violência?

*Dados da UNIFESF mostram que ocorre um estupro a cada 11 minutos no Brasil. Fonte: https://www.unifesp.br/reitoria/dci/edicao-atual-entreteses/item/2590-um-estupro-a-cada-11-minutos. Acesso em: 30 ago. 2020.

Patrícia de Almeida – Coluna Cura da Alma

Patricia de Almeida é profissional de marketing e comunicação em SP, tem MBA em Gestão de Pessoas e Processos, atualmente é estudante também de psicologia.