Julian Barbour é conhecido por suas ideias ousadas sobre o Universo — Foto: Karol Jalochowski/via BBC

A história do início do Universo é bastante conhecida, mas talvez não tenha acontecido exatamente como nos é contado.

De acordo com a teoria do Big Bang, 13,8 bilhões de anos atrás, um ponto menor do que um átomo produziu uma grande explosão. A partir daí, foi criada toda a matéria do Universo, que continua a se expandir até hoje.

E foi também nesse momento que o tempo começou a correr, também avançando sem parar desde então.

A grande explosão lançou partículas em todas as direções, que então se agruparam para formar estrelas, planetas e galáxias que viajam pelo Universo.

O tempo, entretanto, parece viajar em apenas uma direção, sempre para a frente. Mas por que isso ocorreria se o espaço e a matéria estão se expandindo em todas as direções?

 

Um cientista teórico desafia essa ideia. Na verdade, questiona a narrativa clássica do Big Bang e propõe uma nova concepção do tempo.

Julian Barbour é um professor aposentado que ensinou física na Universidade de Oxford e já publicou suas pesquisas nas mais prestigiadas revistas científicas. Ele é reconhecido pelos colegas como alguém com ideias profundas, originais e ousadas sobre os assuntos fundamentais do Universo.

Barbour propõe que o Universo tem dois lados, com um tempo que avança em duas direções e para o qual ele prevê um fim mais esperançoso do que a morte fria que algumas teorias predizem.

Trata-se de uma ideia provocativa que nos leva a questões profundas sobre nossa própria existência.

Um universo com duas faces

 

Na mitologia da Roma antiga, Janus era o deus dos começos e fins. Ele geralmente era descrito como um homem com duas faces olhando em direções opostas.

A figura de Janus ilustra muito bem a ideia de Barbour do início do Universo. Sua proposta é que, a partir do Big Bang, o tempo começou a passar em direções exatamente opostas.

 

Para entender como ele chegou a essa conclusão, devemos entender dois conceitos-chave: a segunda lei da termodinâmica e a entropia.

Rumo ao caos

 

Barbour usa uma maneira diferente de interpretar a segunda lei da termodinâmica. Esta lei afirma que um sistema sempre evolui para um estado mais caótico, mas não o contrário.

O exemplo clássico é uma taça de vidro. Sempre haverá uma boa chance de que aquele vidro se quebre e se disperse em mil pedaços, mas sabemos que, depois de quebrar, é impossível que esses fragmentos se juntem e deixem a taça como estava.

Assim, a taça de vidro é um objeto ordenado que, ao se quebrar, fica desordenado, e esse é um processo irreversível. Em física, essa medida de desordem é chamada de entropia.

 

A segunda lei da termodinâmica diz que a entropia só pode aumentar, nunca diminuir. A partir daí, entendemos porque dizemos que o tempo avança apenas em uma direção: porque o tempo só avança na direção em que a entropia aumenta.

Quanto mais tempo você deixa um copo sobre a mesa, maior o risco de alguém quebrá-lo. Mas, depois que isso acontecer, mil anos podem se passar que o copo nunca mais se recomporá.

O mesmo acontece no Universo. Quanto mais o tempo passa, mais aumenta sua entropia.

Pense fora da caixa

 

As leis da termodinâmica foram estabelecidas durante a Revolução Industrial, quando os engenheiros tentavam fazer motores a vapor que desperdiçassem menos energia.

A segunda lei indica que, conforme a energia é transferida e transformada, parte dela se dissipa. Em termos práticos, é desperdiçada.

Para Barbour, aí reside o problema, porque esta segunda lei foi feita pensando em cilindros e máquinas nos quais a energia e o calor passavam de um lugar para outro, confinados em um espaço delimitado.

O erro seria acreditar que o que acontece em um espaço fechado é igual ao que acontece em grande escala em um Universo sem limites.

Nas palavras de Barbour, temos que literalmente “pensar fora da caixa”.

Maior complexidade

 

Vejamos o exemplo que Barbour usa. Se colocarmos um cubo de gelo dentro de uma caixa, a entropia aumentará da seguinte forma: primeiro teremos um cubo bem ordenado, ou seja, com baixa entropia.

Então aquele cubo derreterá e a água se espalhará pela caixa. A entropia aumentará. Finalmente, a água poderá evaporar, e suas partículas se distribuiriam indistintamente por toda a caixa. A entropia atingirá seu nível máximo.

Em um espaço sem limites, diz Barbour, essas partículas de água poderiam continuar viajando e, graças à gravidade, se juntar a outras partículas até formarem estruturas novas e mais complexas, que se expandiriam em todas as direções do espaço… e do tempo.

Assim, segundo Barbour, o que determina a passagem do tempo não é o aumento da entropia, mas o aumento da complexidade, sem limites de tempo ou espaço.

Um futuro encorajador

 

Na visão tradicional da física, a entropia aumenta implacavelmente com o passar do tempo, o que significa que um dia nosso Universo atingirá seu estado máximo de entropia: terá se expandido tanto que será uma desordem total.

Finja que o Universo é uma jarra cheia de bolinhas de gude. Em algum momento, essa jarra se quebrará, e as bolinhas se espalharão caoticamente. Esse é o futuro que alguns especialistas preveem para o Universo.

À medida que o Universo se expandir e a entropia aumentar, o calor e a energia se dissiparão até que tudo fique frio e inerte. Barbour, porém, arrisca-se com uma visão mais otimista.

Em sua teoria, o tempo não avança inevitavelmente em direção à entropia total. O que ele prevê é o inverso: um Universo cada vez mais complexo e estruturado que cresce sem fronteiras. Na verdade, em vez de dissipação, Barbour prefere dizer que a energia se espalha.

Ele não acredita que o tempo está nos levando em uma única direção para uma entropia que vai transformar tudo em um conjunto de partículas indistinguíveis umas das outras.

Sua visão é a de um Universo cada vez mais variado e dinâmico, onde não faltará calor e energia para continuar crescendo em todas as direções do tempo e do espaço.

Curta o momento

 

Para Barbour, sua concepção de tempo e Universo carrega uma mensagem para a vida. “Carpe diem”, aproveite todos os dias, diz o físico de 83 anos.

Não importa qual seja o destino do Universo no nível cósmico, a verdade é que, por enquanto, todo ser humano vive com uma certeza indiscutível, ele alerta: “Não quero ser melancólico, mas você e eu vamos morrer”.

Por isso, assim como sua visão de tempo e espaço representa uma mudança em relação às noções tradicionais da física, Barbour acredita que todos podem ter uma mudança de atitude em relação à vida, pensando no bem dos outros.

“Acho que podemos salvar o mundo se as pessoas se acostumarem com a ideia de ser pessoas melhores para os outros.”

 

E acima de tudo, conclui o cientista, não importa em que direção o Universo se mova, “meu conselho é não perder tempo”.

Fonte: G1